Entre caldeirões e autocuidado: o retorno político das bruxas

Por séculos, o imaginário popular retratou a figura “bruxa” como símbolo do medo, da desobediência e do proibido. Durante a Inquisição (período que se estendeu entre os séculos XV e XVIII), milhares de mulheres foram caçadas, torturadas e executadas sob a acusação de desafiar a ordem religiosa e dominar saberes considerados “mágicos” ou heréticos.

Em um contexto distante da magia sobrenatural, muitas dessas mulheres eram parteiras e curandeiras, consideradas detentoras dos saberes sobre o corpo, das plantas e dos ciclos da natureza.

Nas últimas décadas, essa imagem vem sendo ressignificada por mulheres que enxergam na magia, nas ervas e nos rituais ancestrais, uma forma de reconectar-se consigo mesmas e com a natureza.

Nas redes sociais, é possível encontrar milhares de vídeos em que mulheres se intitulam “bruxas modernas”. Pam Ribeiro, mais conhecida como “A Bruxa Preta“, de 32 anos, afirma que ser bruxa, hoje, é exercer um ofício.

“É como cuidar de si e do mundo com as próprias mãos e entender que o espiritual e o político se cruzam o tempo todo. A bruxa atual é quem rompe com o esquecimento, quem não aceita mais se afastar da natureza, do corpo e da ancestralidade. É quem se reconecta com as formas antigas de sabedoria e faz disso um trabalho vivo”, explica à CNN.

As fogueiras permanecem acesas — não mais como instrumentos de punição, mas como chamas de reencontro. Ao redor delas, as bruxas contemporâneas dançam, estudam astrologia e leem tarô, por exemplo.

 

Mas por que há esse resgate das sabedorias ancestrais?

Conforme conta a espiritualista, o renascimento da imagem da bruxa é também o renascimento de uma identidade feminina livre, intuitiva e profundamente conectada à natureza. É sobre espiritualidade, mas também sobre resistência.

“As pessoas estão cansadas de viver desconectadas, adoecidas, e estão lembrando que o conhecimento que cura não vem somente de laboratórios — vem da terra, do tempo e das mãos. Esse resgate, além de político e espiritual, é um retorno ao ritmo natural das coisas. É a memória voltando a se mover no corpo”, conta.

Apesar do resgate, o estigma da figura bruxa ainda pode impactar algumas pessoas. Para ela, a mulher que fala alto, que escolhe o próprio caminho e que tem autonomia sobre o prazer ou o dinheiro, ainda é malvista.

“A figura da bruxa sempre foi a mulher que não se ajoelha. Só que agora a gente não se esconde mais. A nova geração usa esse nome não mais como ofensa”, destaca.

O renascimento da figura da bruxa revela uma nova forma de poder feminino: mulheres que resgatam saberes ancestrais, rituais de cura e espiritualidade como caminhos de autonomia e resistência • Pexels

Banalização ou expansão do termo?

No TikTok, a #WitchTok reúne mais de 9,2 milhões de publicações. Para A Bruxa Preta, o movimento amplia a disseminação do tema e pode romper barreiras que antes limitavam o acesso a esse tipo de saber.

“A internet é um espelho do mundo, reflete tanto o esvaziamento quanto a potência. Tem gente transformando espiritualidade em estética, mas também tem muita gente séria usando as redes pra compartilhar conhecimento e acesso. Eu mesma vejo como um canal de expansão, porque antes esses saberes circulavam em espaços muito fechados. Agora, até quem mora longe de tudo pode aprender e praticar”, completa.

Se há um mito a desconstruir, é o da escuridão

Ao longo do tempo, a figura da bruxa foi associada ao mal, à escuridão e à rebeldia. Para muitos, esse imaginário ainda persiste, mesmo que de forma sutil, perpetuando a ideia de que o poder feminino é perigoso quando não está sob vigilância. Mas, segundo A Bruxa Preta, é justamente na reconciliação com essa sombra que reside a verdadeira força da bruxa contemporânea.

“Bruxa é quem entende o escuro. A sombra não é o oposto do sagrado, é parte dele. A magia nasce do equilíbrio, do saber quando silenciar e quando agir. O problema é que o medo do feminino livre criou a ideia da bruxa como ameaça. No fundo, o medo é de perder o controle sobre quem não precisa ser guiada”, comenta.

Pensando em Halloween, a data é vista, majoritariamente como uma celebração lúdica, marcada por fantasias, doces e elementos do terror. No entanto, por trás da festividade comercial, existe uma raiz espiritual profunda, conectada a antigos rituais que celebravam o fim do ciclo da colheita e a comunhão com os ancestrais.

Para muitas mulheres que resgatam o sagrado feminino, essa data é também um convite à introspecção e à reconexão com o mistério da vida e da morte — um momento de lembrar que o invisível também faz parte do que somos.

“A data também pode ser ressignificada, se for vivida com intenção. Não é só fantasia, é também memória. O Halloween vem de antigas celebrações que honravam a morte e a ancestralidade. Qualquer pessoa pode acessar essa dimensão, mas é preciso se despir da lógica do consumo e se abrir pro silêncio do rito”, diz.

Mas nem todas as mulheres têm acesso a esse despertar espiritual da mesma forma. A desigualdade social ainda pode definir quem consegue viver o sagrado como escolha e quem precisa sobreviver à rotina exaustiva.

Enquanto algumas têm tempo e recursos para participar de círculos, retiros e vivências, outras lutam para garantir o básico — o que, para A Bruxa Preta, torna a espiritualidade um privilégio.

“Quem está lutando pra pagar o aluguel raramente tem tempo e recurso pra frequentar círculos ou retiros. Mas, isso não quer dizer que não exista espiritualidade na periferia. Existe, só não tem o mesmo nome ou a mesma estética. A mudança vem quando a gente devolve o sagrado pro cotidiano, quando entende que cuidar de si, cozinhar com ervas, fazer reza, é também espiritualidade”, finaliza.

Entre rituais, ervas e autoconhecimento, as bruxas contemporâneas desafiam padrões e recuperam o poder de suas ancestrais • Pexels
Entre rituais, ervas e autoconhecimento, as bruxas contemporâneas desafiam padrões e recuperam o poder de suas ancestrais • Pexels

Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br

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