A Peste Negra – uma das pandemias mais letais da história da humanidade, que teria matado até metade da população europeia – pode ter sido desencadeada por uma erupção vulcânica, sugere um novo estudo.
Ao analisar anéis de árvores de toda a Europa para compreender melhor o clima do século XIV, comparar dados com amostras de núcleos de gelo da Antártida e Groenlândia, e examinar documentos históricos, pesquisadores construíram um cenário de “tempestade perfeita” que poderia explicar a origem da tragédia histórica. Eles publicaram suas descobertas nesta quinta-feira (4) na revista Communications Earth & Environment.
Os autores do estudo acreditam que uma erupção ocorreu por volta de 1345, aproximadamente dois anos antes do início da pandemia, proveniente de um único vulcão ou de um conjunto de vulcões de localização desconhecida, provavelmente nos trópicos. A névoa resultante das cinzas vulcânicas teria bloqueado parcialmente a luz solar na região do Mediterrâneo por vários anos, causando queda nas temperaturas e perdas nas colheitas.
A consequente escassez de grãos ameaçava desencadear uma fome ou agitação civil, levando cidades-estado italianas, como Veneza e Gênova, a recorrerem a importações emergenciais da região do Mar Negro, o que ajudou a manter a população alimentada.
No entanto, os navios que transportavam os grãos estavam carregados com uma bactéria mortal: a Yersinia pestis. O patógeno, originário de populações de roedores selvagens da Ásia Central, acabou causando a peste que devastou a Europa.
“A bactéria da peste infecta pulgas de ratos, que procuram seus hospedeiros preferidos — ratos e outros roedores. Quando esses hospedeiros morrem da doença, as pulgas se voltam para mamíferos alternativos, incluindo humanos”, explicou o coautor do estudo Martin Bauch, historiador de clima e epidemiologia medieval do Instituto Leibniz para História e Cultura da Europa Oriental na Alemanha.
“As pulgas de rato são atraídas por armazéns de grãos e podem sobreviver por meses alimentando-se de pó de grãos como fonte emergencial de alimento, permitindo que suportem a longa viagem do Mar Negro até a Itália”, acrescentou Bauch. “Após a chegada nas cidades portuárias, os grãos eram colocados em celeiros centrais e depois redistribuídos para locais de armazenamento menores ou comercializados adiante.”
Antes da pandemia, a população mundial era inferior a 450 milhões de pessoas. Entre 1347 e 1351, a Peste Negra matou pelo menos 25 milhões de pessoas.
As consequências sociais, econômicas e culturais da perda populacional persistiram por décadas em toda a Europa e no resto do mundo.
Anos anômalos
Já se acreditava que navios e o comércio de grãos tiveram um papel central na chegada da Peste Negra à Europa. No entanto, este estudo é o primeiro a sugerir que uma erupção vulcânica pode ter sido a primeira peça a cair em uma cascata de eventos que levou à pandemia.
“Descobri que a fome mais pronunciada dos séculos XIII e XIV ocorreu especificamente nesses anos que precederam diretamente a Peste Negra”, disse Bauch. “Por que a Peste Negra chegou precisamente em 1347 e 1348, pelo menos na Itália, não podemos explicar sem considerar o contexto da fome induzida pelo clima.”
Bauch examinou documentos históricos, incluindo registros administrativos, cartas, tratados sobre a peste e até mesmo poemas e inscrições para construir um panorama desses anos cruciais pré-pandemia, mas ele precisava de evidências científicas além de seu campo para confirmar suas descobertas.
Em uma conferência, ele conheceu Ulf Büntgen, professor de análise de sistemas ambientais da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e coautor do estudo. Os dois descobriram que compartilhavam um interesse “nos mesmos anos anômalos”, segundo Bauch, e decidiram trabalhar juntos para estudar o tema.
“Estamos falando de algo que aconteceu há 800 anos”, disse Büntgen. “De onde obtemos informações sobre o clima? Temos um número limitado de fontes. Uma delas é a evidência histórica ou documental, com a qual Martin trabalha, e depois temos os anéis das árvores.”
Os anéis das árvores oferecem uma “reconstrução paleoclimática de alta resolução”, explicou Büntgen, porque conforme uma árvore cresce, ela é constantemente afetada pelo que acontece ao seu redor. Se as condições de crescimento são favoráveis, a árvore produz um anel mais largo e maior densidade de madeira, por exemplo. Os anéis, que são formados a cada ano, podem ser lidos como um livro para entender se o clima ao redor da árvore era frio, quente, seco ou úmido.
Büntgen analisou milhares de amostras de árvores vivas e antigas mortas preservadas naturalmente de toda a Europa, que haviam sido coletadas para pesquisas anteriores sobre reconstrução histórica de temperatura. Os anéis, ele notou, indicavam um resfriamento climático que correspondia à hipótese de Bauch sobre uma fome
“Nos anéis das árvores, observamos uma queda climática, o que significa temperaturas mais baixas que o normal por dois a três anos consecutivos”, afirmou Büntgen.
Büntgen também examinou dados históricos de núcleos de gelo em busca de assinaturas químicas que corroborassem a análise das árvores. “Ao mesmo tempo, encontramos evidências de picos de enxofre nos registros dos núcleos de gelo, que são completamente independentes das árvores, e que indicariam uma erupção vulcânica”, explicou.
Grandes erupções vulcânicas ricas em enxofre são conhecidas por produzir resfriamento nos verões seguintes, acrescentou Büntgen. A origem vulcânica ajudaria a explicar um dos mistérios duradouros da Peste Negra: por que algumas partes da Europa perderam até 60% da população, enquanto outras permaneceram inalteradas.
“Por exemplo, a peste não se espalhou para Roma ou Milão”, disse Bauch. “Eram grandes cidades, mas estavam cercadas por áreas produtoras de grãos, então não precisavam importar com tanta urgência como Veneza e Gênova.”
A transmissão da peste através de carregamentos de grãos reforça a ideia de que a Peste Negra foi um evento complexo, influenciado por uma vasta gama de fatores naturais, sociais e econômicos. “Muitas coisas precisaram se alinhar”, disse Büntgen, “e se apenas uma delas não estivesse presente, esta pandemia não teria acontecido.”
Uma descoberta intrigante
Ao apresentar evidências consistentes de que a bactéria da peste chegou através dos portos mediterrâneos como resultado da atividade vulcânica, o estudo adiciona um novo elemento interessante à compreensão dos cientistas sobre a intersecção entre mudanças climáticas e dinâmica das doenças, afirmou Mark Welford, professor e chefe do departamento de geografia da Universidade do Norte de Iowa, por e-mail. Welford não participou do trabalho.
A nova pesquisa também impulsiona o debate em curso sobre como as flutuações climáticas podem ter influenciado o início da Peste Negra, segundo Mark Bailey, professor de história medieval tardia da Universidade de East Anglia, na Inglaterra.
“Os autores reconhecem que um evento tão excepcional como a Peste Negra deve ter sido resultado de uma coincidência excepcional de forças naturais e sociais, o que é sensato”, escreveu Bailey em um e-mail. Ele não participou do estudo.
“A novidade deles está em enfatizar a ligação entre a atividade vulcânica, a escassez e as mudanças nas rotas comerciais de grãos nos dois anos anteriores à explosão da Peste Negra pela Europa: já sabíamos sobre as falhas nas colheitas, e o comércio de grãos com o oriente provavelmente se intensificou em vez de mudar em 1347”, acrescentou.
Elogiando como o artigo demonstra a interconectividade da economia medieval, Alex Brown, professor associado de história econômica e social medieval da Universidade de Durham, na Inglaterra, disse por e-mail: “O estudo de Bauch e Büntgen demonstra a importância de compreender a relação entre pessoas, animais e meio ambiente, tanto para o estudo de pandemias históricas quanto para a preparação para futuras pandemias.” Ele também não esteve envolvido na pesquisa.
Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br


















