Qualquer mãe adora receber telefonemas dos filhos. Para Josiele Berto, brasileira que vive nos Estados Unidos, eles agora são uma questão vital e a única maneira de saber onde seu filho de 13 anos está e o que ele está enfrentando sozinho.
“Eu só falo com ele, nunca com nenhuma autoridade que possa explicar que tipo de lugar é aquele ou o que está acontecendo”, disse Josiele à CNN, falando em português.
Na última semana, ela recebeu uma ligação da polícia na cidade de Everett, Massachusetts, que informou que seu filho Arthur havia sido preso. Disseram a ela que precisava buscá-lo.
Mas Josiele saiu da delegacia sem Arthur naquela noite. Depois de esperar no local por mais de uma hora, um policial informou que o ICE (Imigração e Alfândega) já o havia levado.
“Eles não me deram nenhuma informação”, disse Josiele que, junto com sua família, tem um pedido de asilo pendente desde que chegou aos Estados Unidos em 2021. “Perguntei para onde ele estava sendo levado e eles disseram que não tinham permissão para dizer.”
Josiele e seu advogado, Andrew Lattarulo, disseram à CNN que passaram dias esperando para saber o que levou à prisão – informação que finalmente chegou na tarde de terça-feira (14).
O prefeito de Everett, Carlo DeMaria, disse em uma entrevista coletiva que um adolescente — cujo nome ele não quis revelar por ser menor de idade — foi preso na semana passada depois que a polícia da cidade recebeu uma “denúncia confiável”, acusando-o de fazer “uma ameaça violenta contra outro garoto dentro de nossa escola pública”.
DeMaria disse que a polícia não contatou o ICE sobre a prisão do menor e que não tem como alvo imigrantes na cidade, que, segundo ele, tem uma população considerável de pessoas sem documentos legais. Mas ele foi vago sobre como as autoridades federais tomaram conhecimento do caso e levaram o adolescente em poucas horas.
“O ICE opera de forma independente e tem autoridade para acessar determinados bancos de dados de autoridades policiais e tomar medidas por conta própria”, disse o prefeito.
O advogado Andrew Lattarulo disse na terça à noite que ainda estava tentando obter o boletim de ocorrência.
“Até onde sei, (esta é) a primeira vez que um menor foi levado (pelo ICE do Departamento de Polícia de Everett)”, disse o chefe de polícia Paul Strong na entrevista coletiva.
Agora, o caso de Josiele e seu filho está atraindo indignação local e atenção nacional, já que um funcionário do Departamento de Segurança Interna o tornou público com uma alegação que é contraria às ordens da polícia local.
Juiz ordenou que o ICE explicasse a detenção de Arthur
Após saberem que seu filho estava detido pelo ICE, os advogados de imigração de Josiele levaram o caso a um tribunal federal. Um juiz em Massachusetts ordenou que o governo explicasse até a noite de terça-feira por que a detenção de Arthur era justificada ou lhe desse a oportunidade de ser libertado sob fiança.
Não ficou claro na tarde desta quarta-feira (15) se essa explicação havia sido apresentada dentro do prazo. Um juiz concordou em permitir o arquivamento em sigilo, mas o documento do tribunal não estava listado no processo online, e o advogado de Josiele, Andrew Lattarulo disse à CNN que não o tinha visto até a data proposta.
“A detenção viola seu direito ao devido processo legal previsto na Quinta Emenda”, afirma um pedido de habeas corpus protocolado na semana passada sobre o caso de Arthur.
O Ministério Público dos EUA não quis comentar o caso.
Josiele inicialmente só soube do paradeiro do filho por meio de ligações telefônicas. Ele ligou para ela de duas unidades de imigração diferentes, uma em Massachusetts e outra na Virgínia.
“Ele chorou muito porque nunca tinha saído de casa ou de perto da família”, disse Josiele. “Ele estava desesperado, dizendo que o ICE o havia levado.”
Ela disse à CNN que Arthur havia voltado da escola recentemente porque quebrou o pé e ainda precisava usar uma bota ortopédica após a remoção do gesso. Na última quinta-feira, ele disse à tia que iria pegar o ônibus para a casa de um amigo. Foi em um ponto de ônibus próximo, ele contou à mãe, que foi preso.
Os primeiros detalhes não vieram de um promotor, mas de uma publicação no X do principal porta-voz do Departamento de Segurança Interna, respondendo a solicitações da mídia sobre o caso.
“Aqui estão os fatos: ele representava uma ameaça à segurança pública, com uma extensa ficha criminal, incluindo agressão com arma perigosa, agressão física, invasão de domicílio e destruição de propriedade”, publicou a Secretária Assistente Tricia McLaughlin. “Ele estava de posse de uma arma de fogo e uma faca de 13 a 18 centímetros quando foi preso.”
McLaughlin não compartilhou mais detalhes sobre as alegações. Embora o prefeito DeMaria tenha confirmado a presença da faca e dito que “poderia ter ocorrido uma tragédia em nossas escolas” sem a prisão, ele foi categórico ao afirmar que o adolescente não possuía arma de fogo.
“Nenhuma arma foi encontrada”, disse DeMaria.
Por ser menor de idade, a ficha criminal de Arthur não é pública. A polícia se recusou na terça a dar detalhes sobre a natureza da ameaça ou informar qual escola estava envolvida.
O DHS (Departamento de Segurança Interna) não respondeu na terça-feira à noite ao pedido de comentário da CNN sobre a discrepância entre as declarações de McLaughlin e DeMaria sobre se o adolescente possuía ou não uma arma.
Josiele, que disse à CNN estar chocada com as alegações, recusou-se a comentar sobre qualquer antecedente criminal e direcionou perguntas sobre o assunto ao seu advogado. Questionada sobre os comentários de McLaughlin de que Arthur tinha uma “ficha criminal”, Lattarulo não abordou o assunto em uma declaração à CNN.
“Independentemente da natureza das alegações, elas continuam sendo apenas isso – alegações – e todo indivíduo tem direito ao devido processo legal”, disse Lattarulo em um comunicado após a publicação de McLaughlin. “Esse princípio se aplica ainda mais fortemente a um menor que esteja muito abaixo da idade de consentimento legal.”
“O DHS comentar publicamente sobre as alegações de um menor é impróprio. Eles parecem esquecer que ele tem 13 anos e não 31”, acrescentou o advogado de Josiele.
Um porta-voz do ICE se recusou a falar sobre o caso no começo da semana e encaminhou a CNN para a declaração de McLaughlin.
Detentos do ICE são transferidos de estado para estado
O advogado Andrew Lattarulo criticou a transferência de Arthur para uma unidade fora do estado, dizendo que isso “levanta sérias preocupações sobre o acesso a um advogado e a intenção do governo de dificultar a representação jurídica eficaz”.
O único contato do advogado com autoridades federais sobre o caso foi por meio de um advogado do governo Trump, que o contatou no fim de semana, perguntando se eles estariam dispostos a transferir o caso de Massachusetts para a Virgínia, já que o jovem agora está detido lá.
Lattarulo disse que se recusou a concordar com a mudança de foro, mas o juiz Richard Stearns ordenou que o caso fosse transferido para um tribunal na Virgínia nesta quarta-feira.
Stearns disse que seu tribunal em Massachusetts não era o local apropriado para considerar a petição, já que Arthur foi retirado do estado uma hora antes do caso ser aberto.
Ele acrescentou que o adolescente merece uma “audiência imediata de fiança” sob um acordo legal existente sobre casos de imigração envolvendo menores.
“Consequentemente, o tribunal concorda com os réus que não tem jurisdição sobre o mérito da petição”, disse Stearns.
A transferência de pessoas feita pelo ICE para diferentes estados sem avisar suas famílias ou advogados é algo comum.
Mahmoud Khalil que organizou protestos pró-palestina no campus da Universidade de Columbia e um dos primeiros detentos de destaque do segundo mandato do presidente Donald Trump, passou por uma situação semelhante.
Ele foi preso em Nova York e brevemente detido em Nova Jersey antes de ser transferido a mais de 1.600 quilômetros de distância para uma unidade na Louisiana. Khalil permaneceu lá por mais de 100 dias antes de um juiz federal ordenar sua libertação sob fiança.
Já o acadêmico Badar Khan Suri, pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Georgetown, chegou ao Texas após uma jornada sinuosa por unidades de detenção na Virgínia e na Louisiana.
Ele foi libertado em maio depois que outro juiz federal disse que o governo não havia fornecido nenhuma evidência de que a detenção de Khan Suri era necessária.
Mas Khalil, Khan Suri e casos semelhantes deste ano têm algo em comum: são adultos.
“Este é meu primeiro caso infantil”, disse o advogado de Josiele à CNN. “Este é o mais jovem que já atendi.”
Dezenas de pessoas da comunidade compareceram a uma reunião do Conselho Municipal de Everett pedindo a libertação de Arthur, informou a afiliada da CNN, WCVB.
“Arthur precisa voltar para casa, agora!”, disse a professora do ensino médio local, Jessica Gold Boots. “Não na semana que vem. Precisa acontecer agora.”
Um membro do conselho pediu a retratação da declaração contestada da Secretária Assistente Tricia McLaughlin de que o adolescente tinha uma arma.
“Façam uma correção formal à desinformação disseminada online”, disse a vereadora de Everett, Katy Rogers.
Parentes estão preocupados com detenção
Sem acesso direto aos pais ou advogados, Josiele não tem certeza sobre o bem-estar de Arthur. Ela diz que essa é uma preocupação que também pesa sobre seu filho de 10 anos.
“Meu filho mais novo fica perguntando sobre ele — se ele foi chamado, se eu sei de alguma coisa. Tem sido muito difícil”, disse ela.
A família também têm preocupações com o próprio futuro.
“Como nosso processo de asilo ainda está pendente, já estávamos com medo, e agora o medo aumentou”, disse Josiele. “Não sabemos se eles virão nos buscar.”
Mas se o caso de Arthur resultará no retorno de sua família ao Brasil — voluntariamente ou não — é agora uma das muitas perguntas sem resposta que eles enfrentam. Ao mesmo tempo Josiele espera o telefone tocar novamente, torcendo para que a próxima ligação seja do seu filho.
“Agora, eu só quero meu filho livre”, disse ela. “Pensaremos no resto depois.”
Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br