O fisiculturismo é um esporte que consiste na prática de esculpir corpos, principalmente a partir do crescimentos dos músculos e da perda de gordura. Para conseguir atender aos critérios de avaliação, como volume, definição e proporções, os atletas enfrentam uma rotina rígida de treinos intensos e dieta restritiva. No entanto, algumas práticas além do saudável podem trazer riscos à saúde.
Recentemente, casos de mortes de fisiculturistas chamaram atenção para esses riscos. No último dia 21, o atleta e influenciador Ricardo Nolasco dos Santos, conhecido como Kadu Santos, morreu aos 31 anos no Rio Grande do Sul. A causa da morte não foi divulgada. Em maio, outro atleta, Wanderson da Silva Moreira, morreu aos 30 anos após sofrer uma parada cardíaca durante um evento em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.
Um estudo publicado neste ano no European Heart Journal apontou que fisiculturistas profissionais apresentam um risco cinco vezes maior de morte súbita em comparação com atletas amadores. Para chegar a conclusão, o trabalho analisou mais de 20 mil atletas que competiram em eventos da Federação Internacional de Fisiculturismo & Fitness (IFBB) entre 2005 e 2020, com um período médio de acompanhamento de mais de oito anos.
Para os pesquisadores, o fisiculturismo competitivo pode impor estresse físico e psicológico aos profissionais, por meio de treinos intensos, dietas rígidas, técnicas de desidratação e uso de anabolizantes. Esses fatores, na visão dos autores do estudo, podem sobrecarregar o sistema cardiovascular, aumentando o risco de arritmias e alterações estruturais cardíacas ao longo do tempo.
“O preparo do fisiculturista envolve meses ou anos e o planejamento deve ser minucioso e acompanhado por especialistas. No entanto, as suplementações e o uso de anabolizantes vêm muito do mundo ‘underground’, do conhecido leigo e, muitas vezes, expõem ainda mais a saúde desses atletas”, afirma Clayton Macedo, diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), à CNN.
Preparo de fisiculturista envolve treino intenso e alimentação restrita
O preparo de um atleta fisiculturista envolve diferentes etapas. O treino de musculação, geralmente, é dividido por grupos musculares, com ciclos com variação para ganho de força e para definição.
A dieta também deve ser equilibrada e seguida à risca, com quantidade adequada e personalizada de proteínas, carboidratos e gorduras. “A alimentação tem um papel específico e estratégico no treinamento. Existe a fase de ganho de massa, que é o bulking, onde o atleta precisa ter um superávit calórico, maximizar a síntese de proteína e garantir recuperação para a construção muscular”, explica Macedo.
Depois do bulking, vem a fase de definição e redução da gordura corporal, tentando preservar a massa magra. Essa etapa é chamada de cutting. “Isso exige a restrição, muitas vezes severa, de alguns nutrientes, manipulação de macronutrientes e risco de deficiências nutricionais, de desidratação e, até mesmo, de desregulação hormonal. Então, é necessário um suporte adequado de nutricionistas, médicos especializados e bem intencionados, porque, se não, o atleta entra em exaustão metabólica e sofrimento fisiológico grande”, afirma.
Quais são os riscos associados ao fisiculturismo?
Os riscos à saúde associados ao fisiculturismo estão relacionados, principalmente, às restrições calóricas e ao uso de anabolizantes — prática proibida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) a partir da Resolução CFM nº 2.333/2023, que veda a prescrição de hormônios androgênicos e esteroides anabolizantes para performance estética ou esportiva.
“Existem indicações bem específicas para o uso de esteroides que fogem da indicação do fisiculturismo profissional. Mas sabemos que o uso de anabolizantes se tornou quase institucionalizado e normalizado, mas não é por isso que ele vai se tornar legítimo”, afirma Macedo.
De acordo com Amanda Gonzales, médica da Unidade de Cardiologia do Exercício do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo, já está bem estabelecido pela ciência uma associação entre o uso de substâncias anabólicas e o risco cardiovascular, como o aumento da pressão arterial, formação de placas nas coronárias, alterações na função vascular e o aumento do risco de trombose.
“Não existe ‘dose segura’ para o uso suplementar dessas substâncias, seja para fins estéticos ou ganho de performance. O que ocorre muitas vezes é a inequívoca interpretação de exames por alguns profissionais da saúde, que prescrevem como sendo uma ‘reposição ou modulação hormonal'”, afirma a especialista à CNN.
O risco acontece porque os esteroides anabolizantes alteram o funcionamento de diversos subsistemas do organismo, aumentando o colesterol ruim (LDL), reduzindo o bom (HDL) e favorecendo o espessamento do músculo cardíaco. “Estas alterações, no médio e longo prazo, aumentam o risco de infarto, AVC e morte súbita, mesmo em jovens aparentemente saudáveis”, explica Carlos Rassi, cardiologista do Hospital Sírio-Libanês de Brasília, à CNN.
Já em relação às dietas restritivas, casos em que há o corte brusco de carboidratos e gorduras, combinado com exercícios intensos e longos períodos em jejum, podem prejudicar o funcionamento do organismo em diversas áreas, com consequências como hipoglicemia, perda de massa magra, alterações hormonais, problemas de humor, alterações de sono e, até mesmo, deficiência no sistema imunológico, segundo Rassi.
Outro ponto de atenção é o corte de água e sal, prática realizada por muitos fisiculturistas antes das competições para parecerem mais “secos”. “A desidratação intensa, com o objetivo de eliminar líquidos do corpo, pode levar a distúrbios hidroeletrolíticos, aumentando o risco de arritmias, trombose, além de alterações renais agudas e problemas digestivos”, alerta Gonzales.
O treino intenso, quando não realizado com o descanso adequado e acompanhado por um profissional, pode levar à síndrome de deficiência energética relativa ou ao estado de overtraining. “Em alguns casos, pode, até mesmo, levar à síndrome de hipogonadismo, que é a diminuição dos hormônios sexuais associada ao exercício e ao cuidado alimentar excessivo”, afirma Macedo.
Por isso, os especialistas ressaltam: o fisiculturismo, para ser uma prática segura, é preciso ser feito com acompanhamento de especialistas de diferentes áreas médicas, com adequação constante das necessidades alimentares, realização de exames periódicos e preventivos e com atenção ao uso de anabolizantes sem indicação médica.
Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br


















